Em recente visita à Biblioteca Juracy Magalhães Júnior com o Irmão Henrique da Trindade em busca de informações sobre a antiga Capela Santo Antônio de Velasquez, na praia de Jaburu, em Mar Grande, encontramos, no acervo e no arquivo digital, fotos que contrastam com o atual abandono, pois é uma obra tombada pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN). Mesmo de difícil acesso à beira do mar, ela é ocupada por moradores de rua da Comunidade da Trindade que publica o jornal: “Aurora da Rua”, na Av. Jequitaia, s/n, casa 6, Salvador (BA). A falta de luz ou de água encanada não impede o trabalho de reconstituição emocional, psíquica e social destas pessoas consumidas pelas drogas, pela fome e pelo abandono social. Através da solidariedade, da oração e do trabalho buscam a sua inserção no mundo da ocupação profissional e da cidadania.
A imagem do abandono do patrimônio histórico-cultural. |
Isto
me fez lembrar o livro de João Ubaldo Ribeiro “O Sargento Getúlio” como leitura
obrigatória dos vestibulares à Universidade Federal da Bahia nas décadas de
80/90 quando ainda ensinava Redação e Literatura no Instituto Social, Colégio
Anchieta. A figura do sargento da polícia militar de Sergipe, Getúlio Santos Bezerra, depois de
matar a esposa por traição, pedir proteção a um chefe político, aceita nova missão: a de prender,
no interior, um adversário político do chefe e levá-lo até Aracaju antes da sua
aposentadoria. Com obstinação, cumpre a sua missão enfrentando todo tipo de
dificuldades, mesmo recebendo ordens de interdição. Como o seu chefe não veio
dizer-lhe de viva voz, continuou a sua missão até a morte, porque cometeu barbaridades,
crimes. Por uma lógica surreal e ética, foi fiel a um compromisso assumido, o
que não aconteceu com sua ex-mulher.
Por entre várias interpretações
semióticas, a figura do sargento tem uma dimensão universal que não se limita
entre o atraso do sertão sergipano daquela época e a modernidade contemporânea.
Ele se aproxima da figura de Prometeu, na Grécia que, mesmo sabendo que ia
morrer no Cáucaso, que um abutre ia comer o seu fígado, em nenhum momento ele
cedeu às pressões de Zeus que queria que se retratasse pelo fato de ter dado
aos homens a inteligência e a sabedoria. Preferia a morte à indignidade.
Existe, em cada ser humano, este sargento que nos impulsiona a cumprir uma
missão de sermos aquilo que somos: professores, jornalistas, políticos,
sindicalistas, etc. ainda que encontremos outras atividades até mais rendosas
do que aquelas que satisfazem a nossa alma.
Esta obra tem um caráter
autobiográfico, pois, quando estudava Jornalismo na década de 70 na Ufba,
acompanhava a vida de João Ubaldo como jornalista da Tribuna da Bahia, sem ter
ainda a fama de grande escritor. Com aquele jeitão descontraído, tiracolo no ombro, um sorriso no rosto, pronto
para contar uma piada, o sargento Getúlio já dominava naquela intrigante missão:
ser escritor. A sua missão não era o jornalismo diário, nem o magistério
superior, pois foi professor de Curso de Administração (Ufba) que logo
abandonou e foi estudar nos Estados Unidos. Foi fiel a este destino até a
morte.
Esta temperança vinha do seu avô: o
coronel Ubaldo Osório que também tinha um sargento Getúlio dentro de si. Mesmo
sendo coletor de impostos, sempre achava um jeito de fazer o que mais lhe
aprazia: contar, por escrito, as coisas e fatos que envolvessem a Ilha de
Itaparica. Lendo a sua obra: “Ilha de Itaparica: história e tradição” (1979),
encontramos informações sobre a fazenda e a capela Santo Antônio de Velasquez.
Dona Maria Velasquez doou as terras para a Irmandade do mesmo nome. Havia, além
da capela, um cemitério, algumas casas para os romeiros. Era comum “a dormida”
que consistia numa romaria de barcos e saveiros que partiam do porto da Barra
para a praia do Jaburu. As pessoas passavam a noite e, no dia seguinte, era
feita a festa de Assunção de Nossa Senhora (14 de agosto). Há uma curiosidade: o Pe. Antônio Viera pregou na capela no dia 13
de junho de 1633.
Outro sargento Getúlio frequenta atualmente a
Capela Santo Antônio de Velasquez: o Irmão Henrique da Trindade. Tem uma missão espinhosa: salvar a memória do
lugar, mas, para isso, precisa salvar o meio ambiente antes que a especulação
imobiliária destrua tudo. Precisamos transformar a fazenda numa reserva
ambiental, protegendo o resto de mata atlântica para as futuras gerações. As
dificuldades serão inúmeras, mas grupos de pesquisas, leitores da biblioteca,
autoridades podem ajudar que esta missão seja cumprida. Não podemos deixar que
o lucro, o progresso inconsequente destruam a natureza e a memória de
Itaparica.
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