quinta-feira, 12 de fevereiro de 2015

JE SUIS "AURORA DA RUA": EUROCENTRISME C' EST FINI


      Recentemente, o mundo foi surpreendido pelo massacre do "Charlie Hebdo", jornal satírico francês satírico. O atentado terrorista aconteceu em 7 de janeiro de 2015 em Paris, cujo resultado foi a morte de doze pessoas e cinco feridas gravemente. Em nome da liberdade de expressão, o jornal satirizava valores religiosos, políticos ou sociais, especialmente a figura ícone do Islamismo: Maomé, o que provocou a ira do Estado Islâmico que enviou os irmãos Saïd e Chérif Kouachi, vestidos de preto com fuzis Kalashnikov à sede do semanário para a execução dos cartunistas. 
         Diante da comoção mundial, algumas reflexões são necessárias, porque ninguém aceita a morte de pessoas que defendiam ideias que eram contrárias ao nosso pensamento. O que está em jogo é a democracia como opção política burguesa para o Mundo Ocidental, porque, sem os valores da liberdade, da igualdade, a barbárie prevalecerá sobre a civilização. Isto me lembra a frase de Voltaire: "Eu discordo do que você diz, mas defenderei até a morte o seu direito de dizê-lo." A reação foi imediata: o mundo passou a usar a expressão "Je suis Charlie Hebdo", inclusive o jornal "Aurora da Rua" por iniciativa do cartunista Paulo Serra em homenagem aos cartunistas mortos.


       Por outro lado, as pessoas não têm o direito de, mesmo falando de liberdade de expressão, ofender valores culturais dos outros. Do ponto de vista do discurso, existe um controle ou uma regulação de sentidos a partir de uma formação discursiva determinada, o que pode gerar três tipos de comportamento: acomodação, cooperação ou o confronto. A reação do terrorismo é o confronto, porque as nações que foram colonizadas e subjugadas anos a fios pela cultura europeia não aceitam mais o eurocentrismo, ditando normas  se achando cultura superior. Não somos a favor do terrorismo, mas é petulante a Europa considerar barbárie a ação  destes fanáticos islâmicos quando Portugal e Espanha foram dois países genocidas, pois mataram sem piedade os índios na América Latina. A França foi sanguinária na colonização nos países do norte da África. 
       Esta arrogância ainda vai custar muito caro. No século XVI, os portugueses achavam que os índios não tinham alma, eram animais que precisavam ser civilizados de acordo com seus valores e, em seguida, impuseram a roupa, a sífilis, a gonorreia, o sarampo, o cólera. No período colonial, a Santa Inquisição, após rito sumário, matou, desterrou muitas pessoas por bruxaria, sodomia, roubo, mas não conseguia punir a luxúria e a ganância do clero regular e religioso da Igreja. No século XX, criaram o "eugenismo" que enaltecia a raça branca e desprezava o negro, o amarelo ou o mestiço. 
              


        Hoje se vive numa época em que a identidade do sujeito é múltipla, não existe a centralidade do sujeito, construído a partir de valores metafísicos rígidos. A crença na razão, na ciência, no eurocentrismo, nos conceitos de Estado-nação é substituída pelo conceito de "modernidade líquida" segundo Baumam. Com o estudos culturais, descobre-se que as forças de resistência da periferia urbana na forma de gênero, de sexo, de cultura são fontes vivas de poder a questionar a estrutura hegemônica de poder estatal e de classe. À globalização perversa de cima para baixo, é possível construir uma outra globalização de baixo para cima, valorizando aquilo que representa a cultura popular, no mesmo sentido de carnavalização de Bahktim ou do "homem ordinário" de Michel Certeau." Tais expressões da cultura popular são tanto mais fortes e capazes de difusão quanto reveladoras daquilo que poderíamos chamar de regionalismos universalistas, forma de expressão que associa a espontaneidade própria à ingenuidade popular à busca de um discurso universal, que acaba por ser um alimento da política" (SANTOS, 2001, p.144).
     Isto já vivemos na literatura brasileira quando em 1928 Osvald de Andrade, misturando o primitivismo e a influência externa, criou a antropofagia que influenciou o tropicalismo de Caetano Veloso e o Cinema Novo de Glauber Rocha. De modo semelhante, o jornal "Aurora da Rua", criado a partir da realidade dos excluídos: os moradores de rua em Salvador, apresenta uma proposta de vida, baseada no despojamento material, na solidariedade e na autossuficiência como forma de sobreviver numa sociedade capitalista. Mesmo sendo um jornal alternativo, sem publicidade, regional e periférico, ele acredita que um morador de rua, antes de ter casa própria e inserção social, precisa de soerguimento moral, psicossocial, portanto aplicável em qualquer parte do mundo. Por tudo isto, eu sou "Aurora da Rua" (Je suis "Aurora da Rua") que não tem medo de terrorismo político, porque convive diariamente com o terrorismo social institucionalizado ou difuso de uma sociedade de consumo que considera o morador de rua como refugo humano que deve ser morto ou jogado no lixo.