quinta-feira, 30 de junho de 2011

Memória e o Poder da Palavra

Agora, por ocasião das festas de S.João, aqui no Nordeste, estive na cidade "Salinas das Margaridas" no recôncavo baiano, perto da Ilha de Itaparica. A paisagem da orla é linda: o mar tranquilo, tendo ao fundo o casario de Conceição das Salinas. Comecei a passear pelas suas ruas, ainda com as suas fogueiras recém-queimadas, as pessoas sorridentes ouvindo as músicas de forró, muita cerveja e o som dos traques.

De repente, entrei numa rua estreita que me levava a um terreno da prefeitura onde estavam estacionados os ônibus escolares. Numa rua transversal, avistei o cemitério da cidade, cujo portal estava mal cuidado, portão fechado, nenhuma pessoa trabalhando na área. Na parte de cima do portal, havia uma inscrição meio apagada, escrita em latim: "Hodie mihi, cras tibi", cuja tradução literal seria: "Hoje a mim, amanhã a ti" ou numa expressão mais informal: "Eu sou você amanhã".

O que me chamou a atenção foi a frase feita numa língua dita morta (latim) como forma de exprimir o pensamento dos mortos e enterrados naquele cemiterio.
Não se sabem exatamente quais as condições de produção daquele enunciado: imagina-se que foi feita há muito tempo, mas se desconhece o autor da frase, a verdadeira intenção do enunciado. Embora o tempo tenha passado, ali contém uma representação sobre a efemeridade da vida. Ninguém pode escapar da própria morte ( “ Eu sou você amanhã”).
O poder das palavras expressas naquela inscrição é importante devido à profusão de sentidos a depender do ângulo que se escolhe para pensar sobre o tema.  Por que a frase não foi construída em português? Talvez a expressão em latim, que também podia ser feita na língua ioruba ou indígena, queira trazer a voz do sagrado e, assim, resguardar o descanse em paz de todos aqueles que estão ali enterrados.
A frase, aparentemente inofensiva, se torna efusiva por dizer aquilo que ninguém quer saber. Ela significa a voz dos mortos que, ainda que envoltos no seu profundo silêncio, falam aos vivos a inevitabilidade da morte. Leva todos os viventes a uma reflexão sobre a existência.