sábado, 26 de setembro de 2009

Texto: estrutura ou acontecimento?



Por José Gomes Filho*

Não se pode compreender um texto, não importa o gênero discursivo escolhido, sem a consciência do funcionamento da língua como suporte e veiculação de informações ou de sentidos múltiplos como afirmação do homem no mundo, tentando conhecer a si mesmo e a própria sociedade em que vive. No ensino médio ou no ensino superior, ainda é comum dizer-se que a língua é tão somente código, um instrumento de comunicação devido à influência da teoria da comunicação que descrevia o processo comunicativo em seis elementos: emissor, receptor, mensagem, código, canal, contexto. O aluno, enquanto leitor busca, informações prontas no texto como se o livro fosse um container em que se nega ao sujeito o direito de construir sentido(s) a partir de seus conhecimentos prévios.

Quem acredita que o sentido do texto se encontra na estrutura das frases e dos períodos, bastando apenas um dicionário para eliminar dúvidas possíveis significa que existe uma univocidade semântica. Se a língua tivesse esta autonomia semântica, as sessões do Supremo Tribunal Federal, analisando as tessituras lingüísticas das leis e dos atos jurídicos, deveriam ser produzir sentenças unânimes, o que nem sempre acontece. Isto significa dizer que a língua, o texto, o discurso são transparentes, pois o(s) sentido(s) do texto são produzidos pela dimensão literal das palavras.

Outra forma de compreender texto seria a da semiótica sóciointeracionista em que o processo de interpretação não é um ato individual, isolado, mas coletivo, porque, no momento da leitura, o sujeito interage com o autor através do texto, considerando que as condições de recepção não coincidem com as de produção, uma vez que o texto pode ser lido por um leitor de uma época ou sociedade totalmente diferente. Veja esta notícia no jornal A Tarde: “O Conselho Estadual de Direitos Humanos recomendou ao Ministério Público que, a partir de agora, toda vez que a polícia justificar a morte de marginais com ‘resistência’, investigar o caso. O alvo é claro: quando a polícia diz que ‘houve resistência’, não há inquérito. O ‘auto’ vale como verdade absoluta. A suspeita é que muitas dessas situações são forjadas” ( A Tarde, 20/09/2009, cad.A, p.2, Tempo Presente).

A expressão “auto de resistência” no texto acima revela que a língua é uma atividade, pois se materializa como uma prática social. Ora, o Conselho Estadual de Direitos Humanos, desconfiando de que a expressão poderia significar atos de execução recomenda ao Ministério Público investigação atos de execução. Isto vem demonstrar que o texto também se constitui numa enunciação, num acontecimento em que estão as actâncias pessoais, temporais e espaciais. De repente, o sentido de “auto de resistência” não tinha interpretação unívoca, mas multívoca, já que a produção de sentidos decorreu de uma ação intersubjetiva.

Nesta concepção, o sujeito não é excluído; ao contrário, ele percebe que o sentido não se encontra na imanência da estrutura do texto, como uma coisa pronta, pois tem lacunas, mas no mundo das inferências individuais, nas relações contextuais em que se encontram leitor e autor, por isso se diz que o leitor é um coenunciador, um coautor.

O perigo é sempre alguém considerar que, pelo fato de existir o efeito de sentidos no texto, qualquer interpretação deve ser aceita por ser uma construção subjetiva, desconhecendo que deva existir um mínimo de coerência com o próprio texto. Isto acontece muito quando, no cotidiano, as pessoas chamam a pessoa amada de “minha neguinha”, logo aparece a patrulha ideológica classificando que existe preconceito racial na frase.

O importante é considerar que as duas concepções são complementares, e não excludentes. Os estudantes devem desconfiar de expressões como estas: O que o autor quis dizer? Qual é a mensagem do texto? Decorar ou memorizar idéias unívocas não quer dizer que você entendeu o texto. Os sentidos do texto são construídos dentro e fora dele como dois lados de uma mesma moeda. Sem este equilíbrio, ler se torna uma tortura sem nenhum benefício para a cultura e a sociedade brasileira.


*José Gomes Filho é mestre em Estudos de Linguagens Uneb (Universidade do Estado da Bahia). Bacharel em Comunicação Social (Jornalismo) pela Facom – Faculdade de Comunicação da Universidade Federal da Bahia (Ufba). Licenciado em Letras Vernáculas com Francês pela Universidade Católica do Salvador (Ucsal) e em Língua Francesa pela Faculdade de Educação (Ufba).

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