sábado, 20 de setembro de 2014

O SARGENTO GETÚLIO E A CAPELA SANTO ANTÔNIO DE VELASQUEZ

    
              Em recente visita à Biblioteca Juracy Magalhães Júnior com o Irmão Henrique da Trindade em busca de informações sobre a antiga Capela Santo Antônio de Velasquez, na praia de Jaburu, em Mar Grande, encontramos, no acervo e no arquivo digital, fotos  que contrastam com o atual abandono, pois é uma obra tombada pelo Instituto do Patrimônio   Histórico e  Artístico Nacional (IPHAN). Mesmo de difícil acesso à beira do mar, ela é ocupada por moradores de rua da Comunidade da Trindade que publica o jornal: “Aurora da Rua”,  na Av. Jequitaia, s/n, casa 6, Salvador (BA). A falta de luz ou de água encanada não impede o trabalho de reconstituição emocional, psíquica e social destas pessoas consumidas pelas drogas, pela fome e pelo abandono social. Através da solidariedade, da oração e do trabalho buscam a sua inserção no mundo da ocupação profissional e da cidadania.
A imagem do abandono do patrimônio histórico-cultural.

            Isto me fez lembrar o livro de João Ubaldo Ribeiro “O Sargento Getúlio” como leitura obrigatória dos vestibulares à Universidade Federal da Bahia nas décadas de 80/90 quando ainda ensinava Redação e Literatura no Instituto Social, Colégio Anchieta.  A figura do sargento da polícia militar de Sergipe, Getúlio Santos Bezerra, depois de matar a esposa por traição, pedir proteção a um chefe político, aceita nova missão: a de prender, no interior, um adversário político do chefe e levá-lo até Aracaju antes da sua aposentadoria. Com obstinação, cumpre a sua missão enfrentando todo tipo de dificuldades, mesmo recebendo ordens de interdição. Como o seu chefe não veio dizer-lhe de viva voz, continuou a sua missão até a morte, porque cometeu barbaridades, crimes. Por uma lógica surreal e ética, foi fiel a um compromisso assumido, o que não aconteceu com sua ex-mulher.
            Por entre várias interpretações semióticas, a figura do sargento tem uma dimensão universal que não se limita entre o atraso do sertão sergipano daquela época e a modernidade contemporânea. Ele se aproxima da figura de Prometeu, na Grécia que, mesmo sabendo que ia morrer no Cáucaso, que um abutre ia comer o seu fígado, em nenhum momento ele cedeu às pressões de Zeus que queria que se retratasse pelo fato de ter dado aos homens a inteligência e a sabedoria. Preferia a morte à indignidade. Existe, em cada ser humano, este sargento que nos impulsiona a cumprir uma missão de sermos aquilo que somos: professores, jornalistas, políticos, sindicalistas, etc. ainda que encontremos outras atividades até mais rendosas do que aquelas que satisfazem a nossa alma.
            Esta obra tem um caráter autobiográfico, pois, quando estudava Jornalismo na década de 70 na Ufba, acompanhava a vida de João Ubaldo como jornalista da Tribuna da Bahia, sem ter ainda a fama de grande escritor. Com aquele jeitão descontraído,  tiracolo no ombro, um sorriso no rosto, pronto para contar uma piada, o sargento Getúlio já dominava naquela intrigante missão: ser escritor. A sua missão não era o jornalismo diário, nem o magistério superior, pois foi professor de Curso de Administração (Ufba) que logo abandonou e foi estudar nos Estados Unidos. Foi fiel a este destino até a morte.
            Esta temperança vinha do seu avô: o coronel Ubaldo Osório que também tinha um sargento Getúlio dentro de si. Mesmo sendo coletor de impostos, sempre achava um jeito de fazer o que mais lhe aprazia: contar, por escrito, as coisas e fatos que envolvessem a Ilha de Itaparica. Lendo a sua obra: “Ilha de Itaparica: história e tradição” (1979), encontramos informações sobre a fazenda e a capela Santo Antônio de Velasquez. Dona Maria Velasquez doou as terras para a Irmandade do mesmo nome. Havia, além da capela, um cemitério, algumas casas para os romeiros. Era comum “a dormida” que consistia numa romaria de barcos e saveiros que partiam do porto da Barra para a praia do Jaburu. As pessoas passavam a noite e, no dia seguinte, era feita a festa de Assunção de Nossa Senhora (14 de agosto). Há uma curiosidade:  o Pe. Antônio Viera pregou na capela no dia 13 de junho de 1633.
             Outro sargento Getúlio frequenta atualmente a Capela Santo Antônio de Velasquez: o Irmão Henrique da Trindade.  Tem uma missão espinhosa: salvar a memória do lugar, mas, para isso, precisa salvar o meio ambiente antes que a especulação imobiliária destrua tudo. Precisamos transformar a fazenda numa reserva ambiental, protegendo o resto de mata atlântica para as futuras gerações. As dificuldades serão inúmeras, mas grupos de pesquisas, leitores da biblioteca, autoridades podem ajudar que esta missão seja cumprida. Não podemos deixar que o lucro, o progresso inconsequente destruam a natureza e a memória de Itaparica.